Quem serão os verdadeiros traidores? 
Já se disse que, em política, trair é uma questão de tempo. O que significa dizer que as relações construídas no ambiente político estão fadadas ao insucesso, variando tão somente no “quando” e muito pouco no “por quê”. Mesmo assim, nenhum personagem político quer encenar este papel, preferindo sempre o perfil de vítima ao de vilão. Para tanto, adota-se a inversão de valores.
Neste já configurado processo de rompimento do senador Cássio Cunha Lima com o governador Ricardo Coutinho, a tese se aplica. Aqueles que estão, a exemplo do vice-governador Rômulo Gouveia (PSD), além de tantos outros que se revelarão ao longo do processo, mantendo a posição construída sobre as bençãos de Cássio, é que estão sendo acusados de traição. Quando, ao contrário do que se pretende difundir, decidiram ficar exatamente no lugar que estavam quando tudo começou. Quando, ao contrário, estão sendo coerentes.
Como é que todos aqueles que estiveram por mais de três anos ao lado do governo, defendendo-o e, especialmente, usufruindo da aliança, mesmo que, em alguns casos, não como achavam que deveriam, podem deixar a gestão agora sem olhar pra trás e sem dizer “tem algo de mim aqui”? Ficar onde estava, agir como se agia, defender o que se defendia, não é trair. É ser coerente.
O contrário é que exige explicações. Até parece a história da mulher adúltera que, pega em flagrante, dispara para o marido traído: “Quem mandou você vir aqui?”.
O tempo, neste sentido, é um instrumento importante para se medir a profundidade da traição e, principalmente, a natureza do traidor. Se a decisão de deixar o governo fosse lá atrás, com base nos primeiro sinais de eventual incompatibilidade política e eleitoral, poderia ser ter um pouco mais de adesão ao rompimento, evitando o envolvimento tão profundo durante tanto tempo.
Em João Pessoa, por exemplo, já se sabe do Paço Municipal à Estação Ciência que não há mais relação de confiança entre a turma de Luciano Agra com a do prefeito Luciano Cartaxo. E quanto mais demoram no afastamento oficial, com entrega de cargos e tudo mais, mais dependentes ficam do PT e mais difícil fica para explicarem como usufruíram da gestão por tanto tempo para, somente depois, deixarem.
O dedo acusador, portanto, só tem sentido se refletido num espelho, voltando-se para imagem de que o levanta.
Pensem nisso.

FABIANO GOMES